‘Museu’ Digital Hoje, (Novamente) Armazém Amanhã…

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ATELIER DES LUMIÈRES Paris’ first digital museum of fine art finds home in 19th-century foundry

Inaugurado em Abril de 2018, o Atelier des Lumières em Paris, França, é mais um espaço que como outros, também por , tenta capitalizar o ‘digital’; a suposta apetência do público, e das novas gerações, pelas experiências ‘imersivas’ bem como por experiências divertidas, levezinhas, mas também o mais que se verá. Apresenta ‘colagens’ digitais, projectadas nas paredes duma antiga fundição reconvertida para o efeito, principalmente de obras de Klimt e um outro artista da sua ‘escola’, Hundertwasser, para além de um espaço mas reduzido dedicado a artistas digitais emergentes. Um sofisticado sistema sonoro completa a experiência, debitando, entre outros, Wagner, Beethoven ou Mozart. Este investimento privado que, como referem os seus promotores, não deverá ser visto como um Museu, mas sim um complemento (a quê?) que pode fazer aproximar as gerações mais novas à Arte pois hoje em dia o público “já não aprende como anteriormente”. Desde a abertura, terá sido visitado por cerca de 400 000 visitantes. Como se pode ver no vídeo abaixo, ligado a partir da página do empreendimento, o factor “Uau!!!” está mesmo presente, é de facto uma experiência, digo eu, espectacular!

E que experiência de visita é esta? Se é verdade que os formatos ‘digitais’ são um média artístico como qualquer outro, e existam muitos exemplos de peças engajadas, subversivas ou iluminantes (mais uma vez, ver MAAT?), não me parece que à projeção dum ‘digest’ da obra de um qualquer artista, por mais bem conseguida a bricolage e mise-en-scène, se possa dar o nome de ‘Arte digital’, ou mesmo Arte…

E, mal pergunto, Klimt em Paris, França? Ainda que em Paris, Texas, fizesse ainda menos sentido(?), como já notado, onde há turistas, há público e 400 mil entradas atingem-se rapidamente, em ano de abertura. Aturada pesquisa de mercado, nomeadamente sobre o impacto que as obras de Klimt teriam, certamente ditaram a escolha do austríaco. (Das questões de © e royalties nem ouso querer saber, mas podem tentar…). No entanto, essa será a menor das preocupações dos promotores, a avaliar pela dinâmica entretanto demonstrada pela atração, sendo que as exposições blockbusters se sucedem como se pode avaliar pelas exposições digitais da obra de grandes artistas já carreadas, como por exemplo:

Por outro lado, a fé depositada nos bolsos das novas gerações talvez seja excessiva, já que em menos de uma década, muito provavelmente, os novos dispositivos 3D, de realidade aumentada, etc., se encarregarão de tornar anacrónicos espaços como este.

E os museus, saber-se-ão manter actuais, portanto físicos, com porta aberta? Para além de muitas outras considerações, parece avisado não tentar concorrer com as mesmas armas, e no mesmo campo de batalha, ou seja, não fazer uso do ‘digital’ indiscriminadamente, mesmo existindo fundos suficientes, com propósitos de apresentar experiências cada vez mais ‘imersivas’ e grandiosas, mas sim como um complemento de visita sóbrio, subtil, informativo e, claro, lúdico. É que, evocando a vox pop, os museus nunca deixarão de ‘apenas’ serem ‘”armazéns’ de inutilidades” se não assumirem o seu carácter único.

Devido à natureza potencialmente desafiadora e questionante da maioria, se não de todas, as suas coleções, os museus estão numa posição privilegiada para se posicionarem contra o processo em curso de promoção da ignorância liderado por diversas forças que se tentam esconder por detrás do ‘mercado’, ou se encontram mais ou menos abertamente presentes em movimentos nacionalistas. É uma questão de tentar engajar, questionar e confrontar o público de tal forma que questões complexas e mais exigentes se tornem mais fáceis de compreender e, mais importante, de plantar a semente da curiosidade, fomentar o pensamento independente e estimular a empatia pela diversidade. Embora a tal pudessem almejar, se também não fossem instrumentos de dominação escapistas perfeitamente integrados nas ‘dinâmicas de mercado’, não parece que espaços como este que fazem do uso do ‘digital’ o conteúdo (como McLuhan dizia, “o meio é a mensagem”), ou museus por caminhos semelhantes, consigam alguma vez deixar de ser os tais ‘armazéns’, por mais revestidos estejam de diáfanos robes ‘digitais’, pilhados aqui ou ali de forma mais ou menos aleatória.

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