Conservação de Arte Rupestre

As ensecadeiras encharcadas do Vale do Coa

Sítio de Arte Rupestre da Penascosa, Vale do Coa, visto da margem esquerda do rio. O limite das cheias determinado pela altura da ensecadeira de montante é o topo do telhado da casa do guarda visível ao centro da imagem. Tal é suficiente para alagar, quando ocorrem episódios de cheia, as Rochas 3, 4 e 5, para além de outras rochas com arte rupestre paleolítica mais recentemente postas a descoberto neste local. Foto do autor.

O volume elevado de pluviosidade deste outono provocou cheias um pouco por todo o país. No Vale do Coa, publicações nas redes sociais (como por exemplo esta de Adriano Ferreira) deram conta de uma situação que se repete ciclicamente aquando da ocorrência de cheias: o galgamento das duas ensecadeiras (que o Relatório infra aludido categoriza como de montante e de jusante) implementadas aquando da construção da felizmente abandonada barragem de Foz Coa e que permitiriam o assentamento dessa estrutura no leito do rio. O sistema era, e continua a ser, complementado por um túnel escavado na rocha que permite fazer o ‘bypass’ das águas do rio entre as duas pequenas barragens.

Ensecadeiras de montante e jusante no local onde ia ser construída a barragem do Coa. O túnel de ‘bypass’ situa-se na margem esquerda do rio, de onde foi obtida a foto. Foto do autor.

Ora, aqui reside o problema para a conservação das rochas de Arte Rupestre do Coa situadas a montante das ensecadeiras, como demonstra o arqueólogo da Fundação Coa Parque Luís Luís em artigo publicado em 2018, uma vez que o túnel não tem capacidade para escoar os grandes volumes de caudal habitualmente causados por eventos de precipitação muito elevada na bacia do Rio Coa, que longe de serem raros se repetem relativamente amiúde por decénio.

Bacia do Rio Coa com indicação da precipitação média anual com base em dados fornecidos pela Agência Portuguesa do Ambiente. A seta indica a localização do sítio de Arte Rupestre da Penascosa. Note-se ainda que os dados representados apontam para que na zona da nascente a precipitação constitua o triplo daquela registada na zona da foz do rio, ou seja, a área que grosso modo corresponde ao Parque Arqueológico do Vale do Coa (PAVC).

Assim, quando tal sucede, as ensecadeiras são transpostas pelo rio, fazendo com que superfícies parietais muito significativas do corpus artístico do Coa, como sejam a Rocha 1 da Canada do Inferno (a primeira Rocha a ser descoberta), as Rochas 1, 2 e 24 da Ribeira de Piscos, as 3, 5 e 5 da Penascosa ou a Rocha 1 da Quinta da Barca, fiquem submersas durante períodos alargados, chegando mesmo a sofrer, durante a mesma época de cheias, distintos ciclos de submersão/emersão, total ou parcial. Tal, sobretudo os repetidos episódios de submersão/emersão, como analisado mais desenvolvidamente na minha tese de Doutoramento sobre conservação da Arte do Coa (pp. 100-102; 154-155; 189-190; 198-207), provocam uma aceleração das dinâmicas de deterioração que afetam estas rochas.

Rocha 1 da Ribeira de Piscos após a ocorrência de um episódio de cheia no Coa. Foto do autor.
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Trialeti, Geórgia. Arte Rupestre Pré-Histórica no Cáucaso.

Do último número do Kairós, poupo a leitura completa das longas 1021 palavras partindo já para a conclusão:

“Concluindo esta pequena nota preliminar, é caso para perguntar, quantas formas podem existir de representar um veado, (também) recorrendo à arte rupestre? Provavelmente não muitas, tendo em conta que o seu traço distintivo assemelhar-se-á sempre à ramagem duma árvore… E terá sido a forma evocativa, bifurcada e intrincada, das suas hastes, bem como o uso que delas é feito, como também ao longo da História, embora de outras formas, pelos seres humanos, que terá alcandorado os cervídeos a lugar de relevo na iconografia simbólica de diferentes sociedades, separadas no espaço e no tempo.”

Não deixem de dar uma olhada a todo o Boletim, com belos artigos!

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Sítio 3 da Pousada das Araras

 

Para fechar em beleza esta pequena série de apontamentos vídeo sobre o Complexo Arqueológico de Serranópolis, Goiás, Brasil, apresentamos o abrigo de arte rupestre mais emblemático da região, o Sítio 3 da Pousada das Araras.

Um local incrível situado em plena Reserva Privada de Protecção da Natureza, de grande importância para a preservação na região do bioma original, o Cerrado. Neste sítio figuram pinturas pré-históricas de cores vivas, entre os vermelhos e os amarelos, de várias épocas, como sugerem as sobreposições existentes, e representando motivos zoomórficos (lagartos, tartarugas, pássaros, etc), geométricos, podomorfos (com forma de pés), entre outros. Estes sítios foram originalmente estudados ao longo da década de 1970 por Pedro Ignácio Schmitz.

No contexto das acções emergenciais de conservação que estão a ser levadas a cabo, é muito importante ouvir as preocupações dos guardiões do sítio, daí a parte final, deste que é o mais extenso vídeo disponibilizado, ser dedicada a uma conversa com Ivana Braga, proprietária da Pousada das Araras. Igualmente importante será estabelecer um projecto plurianual de investigação, conservação e gestão deste património juntamente com o desenvolvimento da sua socialização, nomeadamente alargando ainda mais as acções de educação ambiental e patrimonial. Sem a participação de todos, será problemático garantir condições adequadas de preservação a estes sítios, para desfrute e conhecimento das gerações futuras.

Enfim, espero que vos agrade tanto como me agradou realizar o vídeo, mas sobretudo ter participado nestes trabalhos de conservação em boa hora planeados pelo IPHAN, e implementados pela empresa MRS Estudos Ambientais, e ter conhecido esta fantástica região, não menos fantástica arte rupestre e arqueologia, para além de gente muito boa, acolhedora e empenhada!

Agradeço à Fundação Côa Parque o apoio à deslocação ao Brasil.

Isto não é um afloramento! É uma rocha de arte rupestre… Factores potenciais de escolha de superfícies de arte rupestre na fase antiga paleolítica da arte do Côa.

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Foto da Rocha 1 da Canada do Inferno por Jaime António.

Contributo ao II Congresso da Associação dos Arqueólogos Portugueses, celeremente publicado nas suas Actas Arqueologia em Portugal 2017 – Estado da Questão.

Resumo

Na literatura especializada de arte rupestre encontram‑se várias referências ao papel que diferentes factores, em contextos crono‑espaciais diversos, poderão ter desempenhado na escolha de superfícies a pintar e/ou gravar. Tom, proeminência ou localização topográfica das superfícies pétreas, encontram‑se entre os mais frequentemente mencionados. O objetivo deste artigo é analisar sinteticamente a relevância de factores usualmente referidos na bibliografia aquando da escolha de rochas suscetíveis de serem sujeitas a atenção artística durante a fase antiga paleolítica da Arte do Côa. Tal análise terá necessariamente de examinar até que ponto questões de preservação diferencial permitem ou não retirar conclusões pertinentes acerca da importância de cada um dos factores discutidos.

Integration of natural stone features and conservation of the Upper Palaeolithic Côa Valley and Siega Verde open-air rock-art

This paper considers the established phenomenon of the integration of pre-existing natural features into Western European Upper Palaeolithic parietal imagery, aiming to present a preliminary inventory of such cases in the Côa Valley and Siega Verde rock-art sites. Attention is also given to other cases at these sites from which it can be inferred that areas of the engraved surfaces persisted since the original motifs were made until today in quite reasonable condition. It is concluded that the present research further emphasizes the complex traits behind the creation of Upper Palaeolithic artistic motifs in both the Portuguese and Spanish sites, and also suggests a reasonable preservation rate of Côa and Siega Verde rock-art.
António Batarda Fernandes, Mário Reis, Cristina Escudero Remirez & Carlos Vázquez Marcos. Time and Mind. The Journal of Archaeology, Consciousness and Culture
Volume 10, 2017 – Issue 3

Review of “Paul G. Bahn. Images of the Ice Age (Oxford: Oxford University Press, 2016)”

9780199686001

Great reading!

“Prehistoric art is today the focus of continued interest, as shown by the several books, papers, conferences, and projects each year devoted to the subject—and, perhaps more importantly, by the millions of visitors that all over the world visit sites, replicas, and museums exhibiting such imagery. If, at first sight, this figure may seem exaggerated, visitors to the Chauvet cave replica alone have reached almost 600,000 in the first year of opening (Midi Libre, 2016). Hence, adding figures from other prehistoric rock art attractions in Europe such as the caves, museums, and interpretation centres located in the Franco-Cantabrian region, the open-air sites of Valcamonica (Italy), Alta (Norway), Tanum (Sweden), or the Côa Valley (Portugal) to visitor numbers at extra-European sites may render the aforementioned number quite unproblematic to consider.

Thus, Images of the Ice Age, a revised and extended third edition of a book originally published in 1988 and co-authored by the late French cave art photographer Jean Vertut, is a most-welcome publication, further confirming Bahn’s ability to write with flare and scientific rigour. (…)” (mais…)

Esperança de vida digital

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Rocha 10 da Penascosa, Vale do Côa. Foto: Jaime António.

Há alguns anos atrás questionei, a propósito da ultra-milenar sobrevivência dos registos de arte rupestre, nomeadamente do Vale do Côa:

“Certainly there will be more documents (newspaper articles,television broadcasts, books, articles in specialised journals, etc.) that will provide an account of those tribulations. However, none will be inscribed in schist; none will be part of the tradition of engraving motifs in rocky outcrops. Moreover, nowadays we tend to forget, with our almost blind faith in technology, that all contemporary media has a life limit. Naturally there is the possibility to safeguard (with backups and so on) today‟s relevant data; but can anyone assure its survival for some thousand of years, for the period one can more or less confidently expect the rock art outcrops to endure?”

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Look Inside: Open-Air Rock-Art Conservation and Management. State of the Art and Future Perspectives

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Good news as the volume I co-edited with Timothy Darvill on “Open-Air Rock-Art Conservation and Management” has been made freely available for web-viewing by Routledge through Book2look!

Boas notícias: o volume que co-editei com Timothy Darvill sobre Conservação e Gestão de Arte Rupestre ao Ar Livre está agora disponível para visualização em linha, disponibilizado pela editora Routledge através da aplicação Book2look!

Bangudae revisitado

반구대, ou Bangudae em coreano escrito em alfabeto latino, é o mais importante sítio de arte rupestre na Coreia do Sul, adquirindo especial relevância no contexto internacional por conter as primeiras cenas de caça à baleia algumas vez representadas. As diferentes representações temáticas (zoomórficas, antropomórficas e de cenas de caça) acumularam-se numa diacronia relativamente curta de 4 milénios do Neolítico da Península Coreana. O contexto arqueológico identificado na região situa as cenas de caça à baleia em cerca de 5500-4700 BP. Situa-se nas redondezas de Ulsan, a sétima cidade do país com 1,1 milhões de habitantes e fortemente industrializada desde há cerca de 50 anos. O termo Bangudae significa “tartaruga” devido à forma zoomófica que os montes em torno do sítio sugerem.

Como já aqui referi, trata-se dum grande painel acessível apenas atravessando as águas represadas e abaixadas do Daegokcheon. Aliás, na primeira visita que fiz ao sítio em 2010 apenas as observei da outra margem com o auxílio dos binóculos que se abaixo se ilustram. Desta vez, porém, por ocasião da inauguração da Exposição Especial sobre a Arte rupestre do Côa no Museu do Petróglifo de Ulsan, precisamente construído um pouco mais acima no vale para ser um centro de interpretação do Petróglifo de Bangudae, foi possível visitar de perto o grande painel vertical que contém a arte rupestre.
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Bangudae

The Bangudae site consists of a large panel containing some 200 motifs featuring animal depictions and hunting scenes dating from the period between the end of the local Neolithic and the Bronze Age. Some of the most interesting motifs depict whales and whale hunting. The panel is located in a large and tall cliff made up of sedimentary rocks (namely sandstone, siltstone and sandy shale) by the margins of the Daegok River in the South-Korean province of Ulsan. In 1995, the site was designated as National Treasure of South Korea. Other rock-art sites exist in the vicinities of this panel.

The Bangudae petroglyph panel is located at the center of the image.

The Bangudae petroglyph panel, located at the center of the image.

In the 1960s, prior to the discovery of the rock-art, a dam was built in the river. This dam results in the seasonal submersion of the panel from early spring to autumn. Therefore, the panel goes through significant impacts each year due to submersion/emersion cycles, especially those caused by repeated wetting/drying episodes. It is impossible to inspect the panel from a close distance since there is no viewing platform near to the panel. Regular visits only observe the rock-art from the far-off opposing bank with the help of existent binoculars and of an information panel. A Museum was built nearby featuring replicas of the engravings and additional information on local prehistory and the region.

Partial view of the Bangudae panel. Some of the motifs were submersed at the time of the visit.

Partial view of the Bangudae panel. Some of the motifs were submersed at the time of the visit.

One of the avenues pursued by Korean authorities was to completely assess the condition of the monument. As a result, what is perhaps the most comprehensive monographic study on the characterization, analysis and diagnosis of rock-art weathering dynamics was accomplished. The end-result is an extremely detailed description of the rock itself, the mapping and categorization of active weathering dynamics and recommendations regarding the urgency to pursue conservation interventions on different areas of the panel. Although some criticism about its time-consuming and expensive nature, this study remains to this day the most clear demonstration of the possibility of accomplishing depth of analysis and meticulous characterization in rock-art conservation studies, if enough resources are available. The fact that resources for rock-art conservation are not readily available speaks volumes of cultural heritage management and conservation priorities, especially in affluent countries. Therefore, the ‘messenger should not be blamed’; rock-art conservation studies should always aim towards the most complete characterization possible.

Português: (mais…)