“World of Discoveries, museu interactivo e parque temático”

836741                  Fernando Veludo/NFactos

Abriu ao público no passado dia 25 de Abril, o World of Discoveries, um museu interactivo e parque temático localizado no Porto. Segundo esta notícia do Público, Ana Torres, a directora deste novo projecto sobre os Descobrimentos Portugueses, afirma que o mesmo tem como objectivos “ressuscitar o orgulho nacional, criar um novo entusiasmo pela história e trazer um complemento cultural e histórico da cidade aos turistas. “ [A ideia é] voltar os portugueses para aquilo que já fomos, para a grandeza de uma nação, e entusiasmá-los para aquilo que nos devemos lembrar sempre, que já fomos e para [a ideia de] o voltarmos a ser, todos os dias””. Segundo Mário Ferreira, patrão da DouroAzul, player destacado na área do turismo, com relevo para a região norte, nomeadamente o Alto Douro, “são esperados no primeiro ano cerca de 300 mil visitantes.” O empresário refere ainda que “este é um “projecto desenhado para todas as áreas e muito transversal”, sendo mais interactivo e lúdico para as crianças, para que as mesmas possam “aprender, divertindo-se”, e preparado para as famílias, para os portugueses e para os turistas.”

A abertura de um novo espaço museológico é sempre de saudar, mas julgo serem apropriadas algumas reflexões acerca deste projecto. Primeiramente, o tema desta atracção turística, escolhido de forma a tornar o espaço o mais rentável possível no mais curto espaço de tempo. Esta escolha terá sido objecto de estudos de mercado talvez compreendendo a realização de inquéritos de opinião, painéis e outras estratégias. Será fácil de concordar que para um projecto deste tipo (a meio caminho entre um Museu e um Parque de Aventuras), este tema seria consensual. Apela, utilizando as míticas Descobertas, período obviamente romanceado, contemporaneamente e no passado bem recente, em que Portugal era ainda ‘grande’ (ao contrário do que sucede hoje), a uma grande maioria dos portugueses que assim poderão fazer uma romagem escapista ao tempo dos Pedros Alvares Cabrais que “deram novos mundos ao mundo” e dos Afonsos de Albuquerques que o aferrolharam num rasto de sangue e fogo. Terá também bastante apelo junto de visitantes estrangeiros pois estes já terão algumas ideias plantadas (quer através dos currículos escolares ocidentais quer pela promoção turística que o ideário “Descobrimentos” tem tido) sobre a nossa grande história legitimadora de nação (já não estaria em tempo de arranjarmos outras, também?).

A escolha da sua localização também é interessante. Considerando a empresa promotora e a crescente popularidade do Porto junto de turistas internacionais não poderia ser outra. No entanto, se pensarmos em localidades ou regiões que mais se associam aos Descobrimentos, o Porto não ocupará os lugares cimeiros da lista. Pensar-se-à em Sagres (por mais equívoca que seja esta associação), Lisboa, Leiria e o seu Pinhal, etc. Apesar de ser referido na peça do Público que este projecto ocupa um “espaço onde no passado foram construídas três naus da armada de Vasco da Gama”, dum ponto de vista conceptual ou museológico parece-me um pouco bizarra a escolha do Porto. Mas este não será um projecto com grandes peias em reconhecer que o objectivo são os turn-overs. Assim sendo, se os estudos de mercado concluíssem que em Bragança haveria um público potencial de 500 000/visitantes ano, este projecto por lá teria sido construído. Não tenho grandes dúvidas que será um sucesso comercial e que conseguirá obter os tais 300 000 visitantes por ano. Afinal, a Douro Azul faz subir o Douro cerca de 200 000 visitantes a cada ano!

E aqui chegamos à interrogação principal que me suscitou todo este projecto: existindo na região do Douro onde esta empresa tem o seu core business vários projectos museológicos com potencialidades de crescimento turístico (desde logo o Museu do Côa mas também o Museu do Douro, de Lamego, pólos interessantes em Torre de Moncorvo, etc.) não teria sido, considerando o desenvolvimento turístico e económico de toda esta vasta região de que o Porto é ‘apenas’ a ‘cabeça’, apostar no estabelecimento de parcerias efectivas que pudessem levar mais turistas a visitar estas ofertas museológicas de qualidade localizadas em regiões em que o crescimento turístico poderá ser razoavelmente exponencial? A resposta óbvia é que este projecto foi desenvolvido por uma empresa comercial cuja preocupação cimeira é a realização de lucro. Eventuais apostas em projectos turísticos que possam contribuir para o desenvolvimento sustentado de regiões desfavorecidas não serão pois prioritárias. No entanto, numa óptica de desenvolvimento turístico e económico inclusivo, o Douro, apesar das diferenças entre as suas sub-regiões, deve ser encarado em conjunto pois, utilizando uma simples e breve ideia, o vinho só começa a ser do Porto quando lá chega…

O que é certo é que temos hoje centenas de milhar de turistas a subir o Douro, na sua grande maioria em barcos da Douro Azul. Os programas oferecidos pela empresa foram desenhados para os turistas pouco porem o pé fora do barco. Também visitam pouco os pontos de atracção mais importantes ao longo da subida. Como os programas foram feitos para maximizar as ‘janelas’ de subida e descida do rio nas várias eclusas existentes no Douro de forma a se conseguir ter o maior número possível de embarcações em cruzeiro, a verdade é que os turistas têm muito pouco tempo disponível para sair do barco. Algumas queixas a esse respeito já se fizeram aliás ouvir.

Referi acima que se Bragança (como exemplo) tivesse mercado para este tipo de projecto de ‘Museu das Descobertas’, este teria sido feito lá. Poucos duvidarão que a região de Bragança (ou outras do interior norte português) muito dificilmente poderá oferecer um mercado de tal dimensão no futuro próximo precisamente… porque não o consegue desenvolver considerando a situação económica actual mas também a sua interioridade ‘histórica’! Ou seja, trata-se da proverbial pescadinha de rabo na boca! Se é certo que grande parte das políticas que podem começar a ajudar a inverter tal situação é da responsabilidade das instituições públicas, também é verdade, mais uma vez na situação actual, que o sector privado (neste caso na área do turismo) tem de começar a olhar para estas zonas como oportunidades de aumentar a oferta turística global duma forma sustentável e a longo prazo, nomeadamente no campo do chamado turismo cultural e/ou natural. E não, tal programa não é proposto (a traços largos) como um apelo ao sentido cívico destas empresas mas apenas e tão só nota uma oportunidade de negócio num nicho de mercado diferenciado pouco desenvolvido em Portugal e que tem como alvo públicos, por vários motivos, bem interessantes.

Adenda: esta foto-reportagem do Expresso levanta um pouco do véu acerca do que é que podemos encontrar nesta atracção turística.

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